Entre todas as etapas da cadeia de valor do comprador de carros brasileiro, o momento que causa maior insatisfação é a avaliação do carro usado como parte do pagamento. A conclusão é da Decoupling, empresa global que ajuda companhias tradicionais a se protegerem de disrupções em seus mercados, fundada pelo brasileiro PhD em marketing quantitativo e ex-professor de Harvard Thales Teixeira.
Durante 10 anos, Teixeira se dedicou ao desenvolvimento da teoria Decoupling, detalhado em um livro best seller mundial, a partir de estudos feitos no coração da Harvard Business School e do Vale do Silício e, posteriormente, em colaboração com o professor Leandro Guissoni, também PhD em marketing com experiência em Harvard, FGV e passagem como professor no MBA da Darden School, Universidade da Virginia, após ter trabalhado na Coca-Cola.
Desde 2020, Teixeira e Guissoni aplicam esse conceito diretamente na Decoupling Brasil, auxiliando grandes corporações a ajustarem seus modelos de negócio para se manterem competitivas em um mercado em rápida evolução.
O levantamento levou em conta com 11.788 avaliações de clientes feitas após compras realizadas de junho a outubro de 2024, das marcas Chevrolet, Hyundai, Ford, Jeep, Toyota, Honda, Nissan, Volkswagen, Fiat, Renault, JAC, Chery, BYD, GWM. Para fazer esta análise, a Decoupling utilizou sua plataforma apoiada no uso de Inteligência Artificial Generativa e dados de reviews online de consumidores da indústria automotiva disponíveis na internet.
Com isso, baseado nas manifestações dos clientes, concluiu-se que a satisfação medida via decomposição do NPS (net promoter score, métrica utilizada para medir a satisfação dos clientes de uma empresa) de um comprador de carro novo é mais baixa justamente na etapa de avaliação do carro usado. O score médio da indústria automotiva nesta etapa foi de 7,0, enquanto todos os demais elos – que incluem de pesquisa de marca até a primeira manutenção – ficam entre 7,0 e 8,0.
De acordo com a análise, as cinco empresas mais bem posicionadas na etapa de avaliação do carro usado, na avaliação dos consumidores, são asiáticas: Honda (8,43), Caoa Chery (7,77), Jac Motor (7,77), Nissan (7,43) e Hyundai (7,22). Ou seja: essas montadoras têm as melhores avaliações no elo mais fraco da cadeia de valor do cliente.
“Essas são marcas asiáticas que costumam garantir uma maior transparência aos seus clientes em todos os aspectos, por isso a avaliação é melhor. Além disso, esses carros têm uma boa qualidade mecânica, então são mais fáceis de serem revendidos”, explica Bruno Campos, vice-presidente de marketing da SelectBlinds com passagem pela General Motors.
A avaliação da cadeia de valor do cliente de forma fragmentada ou ‘desacoplada’ é uma das principais inovações da Decoupling. Em vez de medir a experiência do cliente somente no final do processo de aquisição de um produto ou serviço, a Decoupling mede o passo a passo da cadeia de valor do cliente, a fim de identificar elos que geram níveis extremos de satisfação e de insatisfação a esse consumidor.
Por que a etapa de venda do carro usado é o elo frágil do setor?
A venda do carro usado é a etapa mais desgastante por alguns motivos, segundo Campos:
- Existe uma ligação emocional entre os proprietários e os carros, e por isso os consumidores tendem a pensar que seus carros valem mais do que o preço pago pela concessionária.
- A precificação dos carros usados é subjetiva e não é feita de forma padronizada pelas concessionárias. O preço varia até mesmo entre lojas da mesma rede.
- A compra e venda de carros usados é uma parte importante do negócio das concessionárias, que precisam garantir sua margem de lucro nesta etapa do negócio.
Por estas razões, o momento da avaliação do carro usado é uma oportunidade de inovação das montadoras. Isso porque é justamente neste tipo de ocasião que as startups costumam surgir, abocanhando partes da cadeia de valor de empresas estabelecidas.
Segundo Campos, o setor automotivo está sob ameaça de perder mercado para novas empresas. É o caso da InstaCarro, que criou um marketplace com o objetivo de avaliar e negociar carros de forma quase instantânea, conectando o vendedor com diversas lojas e concessionárias no brasil. O vendedor, em 24 horas, recebe ofertas e avalia a melhor proposta. Somando captações em 2015, 2017, 2021 e 2024, a plataforma já levantou cerca de R$ 305 milhões.
A Volanty, plataforma para compra e venda de automóveis seminovos, por sua vez, recebeu investimentos de fundos como Monashees e SoftBank e foi adquirida pela Creditas em 2021. Já a Kavak, startup mexicana líder global na compra e venda de carros seminovos e que digitalizou o processo de compra e venda de carros usados, chegando a atingir o status de startup mais valiosa da América Latina. Para melhorar a experiência do cliente, a startup desenvolveu vários serviços, incluindo um algoritmo de precificação que define níveis ótimos de preços de compra e venda baseado em diferentes fontes de dados disponíveis, desde tabelas, classificados, ofertas concorrentes e tendências sobre a dinâmica do mercado.
Para além disso, Campos traz os carros elétricos para a discussão, afirmando que a dificuldade de avaliação desse tipo de veículo é ainda maior em relação aos carros à combustão. Essa, segundo ele, é outra grande questão que a indústria terá de resolver, e outro possível elo fraco que a Decoupling vai identificar em um futuro próximo.