O estigma do motor 1.0

Motores 1.0 sempre foram associados a economia e carros populares. Desde o governo Itamar Franco, quando o “milzinho” ganhou até incentivos fiscais para ter um preço mais acessível – uma forma de promover a renovação da frota – ele passou a ser o preferido pelos que querem um carro econômico e que custe menos.

E a evolução tecnológica está trazendo melhorias e adicionando atrativos ao “motorzinho” 1.0 – em alguns casos, nem cabe mais chamá-lo pelo diminutivo. As versões 3-cilindros dos motores “mil” estão disponíveis em modelos de quase todas as marcas e fazendo bonito tanto em potência quanto em consumo, quando comparados aos motores 1.0 “normais”, mais pesados.

Comparemos, por exemplo, o motor 1.0 do Argo e do HB20, ambos 3-cilindros, com o do Onix, 4-cilindros. Os três praticamente se equiparam em potência (Argo fica um pouco para trás), mas os dois tricilíndricos têm mais torque que o líder de mercado. Se colocarmos o Novo Polo, também 3-cilindros, na comparação, o Onix perde nos dois índices. Enquanto entrega potência máxima de 80 cv a 6400 rpm e torque de 9,8 kgfm a 5200 rpm, o hatch premium da VW atinge 84 cv a 6350 rpm e 10,4 kgfm a 3000 rpm.

Motor 1.0 do Novo Polo rende mais que o 4-cilindros do Onix

Resistência

Mas porque estou falando de motor 1.0 na coluna de hoje? Porque na última semana tive a oportunidade de dirigir o Novo Polo TSI, sigla que identifica o propulsor “mil” em sua versão turbo. São 128 cv de potência máxima (com etanol) e incríveis 20,4 kgfm de torque, disponíveis a 2.000 rpm (tanto com etanol quanto com gasolina).

Mesmo diante de números assim, o consultor de vendas de uma concessionária local me disse que muitos clientes chegam à loja com prevenção contra a versão por se tratar de motor 1.0. O vendedor precisa argumentar e mostrar, por A + B, que ela entrega mais que a versão 1.6 do próprio Polo.

Eu mesma notei essa ressalva em relação ao motor. Comentei com um amigo que havia testado o Polo e ele me perguntou qual a motorização. Eu disse “1.0 turbo“, e ele respondeu “Pra enganar o freguês.”. Este mesmo amigo nunca confiou na versão turbo do up!, que entrega 105 cv.

Na verdade, não se trata de uma enganação. O turbocompressor transforma o “milzinho” em um “foguetinho”. Para entender como funcionam essas novas tecnologias e desmistificar o motor “mil” atual busquei o conhecimento do professor Edison Bonifácio, coordenador do curso técnico em Mecânica Automotiva do Senai Londrina.

Histórico

O motor 1.0 de três cilindros estreou em 2012, no Hyundai HB20. Embora o carro fosse nacional, o propulsor ainda era importado da Coréia do Sul. Um ano depois, a Volkswagen anunciou o uso da tecnologia no Fox Bluemotion, mas ele só ganhou repercussão mesmo quando chegou ao up!, em 2014, fabricado no Brasil. O professor Edison Bonifácio relembra, no entanto, que a tecnologia em si não é uma novidade, pois já existia no Vemaguet (carro produzido nas décadas de 1950 e 1960), mas trata-se de uma evolução.

HB20 trouxe motor 3-cilindros para o Brasil, mas importado

“Diminuindo 1 cilindro você tem diminuição de peso sem perder a potência e o torque. Diminui o peso do virabrequim, do bloco, ganha em economia e performance”, detalha.

Logo após a VW, a Ford apresentou motor “mil” 3-cilindros para o Ka, a Nissan para o March, a Fiat para o Uno (hoje presente no Mobi e no Argo) e a Renault para Logan e Sandero (ainda que com certo atraso) e, depois, no Kwid. Estranhamente, a Chevrolet, dona do carro mais vendido no País, ainda não tem, no mercado nacional, versão para este propulsor, o que se esperava que acontecesse por força do Inovar-Auto.

Modernização

Os ganhos em economia e potência nos motores “mil” 3-cilindros não ocorrem unicamente pela retirada de um cilindro, mas pela modernização de todo o conjunto mecânico, ressalta Edison Bonifácio. “A performance tem a ver com a redução de peso, o aumento da compressão do motor, a melhoria dos materiais”, cita.

No caso da versão turbo, a preocupação com a construção veicular deve ser ainda maior, já que o motor deve ter vida útil longa sem perder o desempenho.

“Para que ele dure, vem o tratamento da fábrica. O TSI, da Volkswagen, tem virabrequim forjado, pistão com lateral grafitada, para deslizar melhorar e reduzir atrito… Além disso, o TSI tem injeção direta, que ajuda a esfriar a mistura na câmara também, podendo tirar um pouquinho mais de potência em virtude do aumento da taxa de compressão”, detalha Edison Bonifácio.

O professor explica que o turbocompressor é um dispositivo colocado no escapamento e na admissão que aproveita os gases queimados que saem pelo escapamento para movimentar a turbina e, automaticamente, aumentar a pressão na admissão.

“No motor aspirado, quando o motor desce ele simplesmente chupa o ar para dentro, através de sucção. No turbinado, quando o motor faz o mesmo processo de sucção ele não tem só a pressão ambiente, mas uma pressão positiva na entrada dele. Os cilindros são preenchidos com maior volume”, detalha o professor.

Deu para entender?

Se você não é lá muito fã de mecânica, apegue-se aos dados de consumo. De acordo com o Inmetro, o Polo TSI Highline rende 11,4 km/l e 13,9 km/l (com gasolina, na cidade e na estrada), mas os números reais podem ser bem maiores – de acordo com clientes e com o teste realizado pela revista Quatro Rodas – 12,1 km/l e 16 km/l, nas mesmas condições.

Verdade que essas melhorias pesam no bolso. No caso do Polo, a versão 1.0 turbo custa nada menos que R$ 20 mil mais que a 1.0 “normal” e cerca de R$ 15 mil mais que a 1.6. O desempenho e a economia compensam? Depende do bolso de cada um. Se para você o acessível continua sendo o popular, ok. Não vai ser um “foguetinho”, mas um “milzinho” de respeito.

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