O que o acidente com o carro da Uber nos diz sobre tecnologia autônoma? É preciso parcimônia

Meu pai costuma usar a palavra “parcimônia” para dizer que alguém precisa ter cautela sobre algo. No contexto em que ele a utiliza, a palavra serve para definir como devemos nos comportar frente à tecnologia de condução autônoma. Mas a Uber parece que nasceu de 7 meses – para usar outra expressão dos antigos.

O CEO da empresa, Dara Khosrowshahi, declarou, em janeiro deste ano, que planeja ter carros autônomos disponíveis para corridas em 2019. Segundo ele, caberia aos clientes escolher um carro com motorista ou autônomo na hora da chamada pelo aplicativo.

“Teremos carros autônomos na estrada, acredito nos próximos 18 meses. E não como um caso de teste, mas como um caso real [de uso] por aí”, afirmou Khosrowshahi.

No entanto, no último domingo a tecnologia de condução autônoma da empresa ganhou espaço na mídia por um motivo triste: uma mulher morreu após ser atropelada por um veículo autônomo da Uber, em Tempe, no Arizona (EUA). Ontem, um vídeo do momento do acidente e uma foto do carro, um Volvo XC90, foram divulgados e certamente serão de grande valia para as investigações policiais (assista o vídeo abaixo).

 

 

O que, de pronto, consegui verificar a partir do vídeo: a mulher atravessa a rodovia empurrando uma bicicleta fora da faixa de pedestres (não sei se havia uma); ela surge “do nada” diante do carro; antes, parecia envolta em sombras. O operador do carro, no entanto, parece distraído e chega a olhar para baixo – para um celular? – por cerca de 5 segundos.

Os testes com veículos autônomos exigem a presença de um operador por motivos de segurança, para que ele assuma o controle em casos de emergência. Diante da tragédia, faço duas perguntas:

-A tecnologia autônoma falhou em não identificar a pedestre?

-O operador, se estivesse atento, poderia ter evitado a colisão?

Velocidade

De acordo com a polícia, o carro da Uber estava pouco acima da velocidade permitida na via, a 64 km/h em um local onde o limite era de 56 km/h.

Este dado pode responder a uma das minhas perguntas. Em um boletim de 2016, o Cesvi (Centro de Experimentação e Segurança Viária) informa que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, a maior parte dos atingidos por veículos sobrevive a atropelamentos por automóveis que estejam a 30 km/h, mas a maior parte morre quando o atropelamento acontece acima dos 50 km/h.

Sendo assim, como não houve frenagem antes do choque com a pedestre nos EUA (o que demonstra, por A+B, que ela só foi vista pelo operador no momento da colisão) as chances de óbito realmente eram altas.

Tecnologia

E quanto à minha primeira pergunta, a tecnologia autônoma falhou em não identificar a pedestre? Na opinião de um especialista da Universidade da Carolina do Sul, entrevistado pela Associated Press e citado em reportagem do site Auto Esporte, sim.

“A vítima não veio do nada. Ela estava se movendo em uma rua escura, mas uma rua aberta, então o Lidar (laser) e o radar deveriam ter detectado e registrado”, disse Bryant Walker Smith.

Sam Abuelsmaid, analista da Navigant Research, que também estuda os autônomos, concorda, na mesma reportagem. “O sistema deveria ter sido capaz de detectá-la. Pelo que vejo no vídeo, parece que o carro é o culpado, não o pedestre”.

Reação

Como resposta ao acidente, a Uber suspendeu seus testes com carros autônomos nos Estados Unidos e no Canadá. Os veículos da empresa já percorreram mais de 1 milhão de milhas e são equipados com câmeras, lasers e radares de 360 graus.

E aí? Por que esses radares não foram capazes de identificar a mulher em Tempe? Estavam desligados? Precisam de mais visibilidade para funcionar? Não têm raio de ação suficiente para identificar tais presenças?

Uma oficial de polícia envolvida nas investigações declarou que o acidente seria inevitável em qualquer modo, com motorista ou autônomo, dadas as condições de visibilidade.

Mais pesquisas 

As perguntas são muitas, mas a tragédia em si não serve para inviabilizar a tecnologia autônoma, e sim, para mostrar que muito ainda precisa ser aprimorado.

Além da Uber, outras empresas de tecnologia estão trabalhando em tecnologias autônomas, como Apple e Waymo (ligada à Google). O objetivo delas, acredito, é muito mais desenvolver softwares capazes de equipar veículos das fabricantes do que o carro em si. A Uber, por exemplo, roda em carros da Volvo e da Ford.

Inclusive é da Ford uma das principais novidades sobre assistência de direção autônoma divulgadas nesta semana. A linha 2019 do Fusion virá equipada com frenagem com detecção de pedestres.

“Ao detectar uma potencial colisão, o sistema emite uma luz e um som de alerta e, se a resposta do motorista não for suficiente, pode aplicar automaticamente os freios para minimizar o impacto.”, diz o comunicado da montadora.

 

Será que esta tecnologia da Ford, aparentemente mais simples, teria evitado a tragédia com o carro da Uber? Um aviso sonoro e o motorista teria, ao menos, freado, minimizando o impacto, concordam? Mas o carro autônomo não avisou, mostrando que não está pronto para as ruas. Precisamos que os estudos continuem e que a tecnologia seja introduzida aos poucos no nosso dia a dia. Com parcimônia, não em 2019.

 

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