Brasil perde Edésio Passos; um dos maiores advogados trabalhista do país. Confira entrevista:

 

 

 

Edésio Passos: preso durante a ditadura, ao lado de Lula criou o PT

O advogado Edésio Passos, diretor-administrativo da Itaipu Binacional, completou 50 anos como advogado. Sua trajetória foi contada no livro: “Edésio Passos – 50 Anos de Advocacia”. Ele, que começou a carreira profissional como jornalista, sempre lutou pelas causas trabalhistas. Foi preso durante a Ditadura Militar, mas ao lado de Luiz Inácio Lula da Silva ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores (PT). Edésio recebeu a equipe da Sobre Rodas em seu gabinete na Itaipu Binacional e contou detalhes de sua carreira profissional e política.

Sobre Rodas: Hoje o senhor é diretor-administrativo da Itaipu Binacional, cargo que relutou a aceitar, mas desde muito jovem já defendia os trabalhadores, seja no seu escritório ou nos sindicatos e associações. Dizia aos novos colegas que precisavam ser socialistas antes de serem advogados. O que sempre o motivou?

Edésio Passos: Defendi e defendo. O fato de ser diretor-administrativo facilita executar uma política favorável à empresa, ao governo federal e aos trabalhadores, justamente por conhecer toda a problemática e poder adotar políticas construtivas. Quando entrei na faculdade em 1957, optei pelo socialismo, e a defesa dos trabalhadores estava implícita, e decidi me dedicar ao Direito do Trabalho. Em 1961, quando terminei a faculdade, tinha apenas uma Junta de Conciliação do Trabalho no Paraná.

SR: Como foi a experiência de jornalista antes de ingressar na faculdade de Direito? Ser repórter o fez conhecer um pouco da realidade humana?

EP: O jornalismo te abre o mundo. Para ser um bom repórter é preciso olhar os vários ângulos de um mesmo fato, então te força a ver o que tem atrás da aparência e o que vai suceder em relação àquilo que está sendo observado. É uma escola de vida, uma forma de avançar socialmente, culturalmente e politicamente.

SR: Em 2011, o senhor completou 50 anos de advocacia, fato que transformou sua vida em um livro. Como foi receber este presente?

EP: Meu escritório é dirigido pelo meu filho André Passos e outros nove colegas que resolveram fazer um site e o livro. Foi ótimo. Só colocaram coisas boas de mim, uma maravilha. O que não devia ser revelado sobre minha pessoa, ninguém disse. Foi uma festa de amigos.

SR: Quais causas marcaram sua carreira?

EP: Se fosse nominar, me perderia, pois há ações antes da ditadura, durante e depois o período de reconstrução do país social e politicamente, bem como do Direito do Trabalho. O mais importante foi a relação de conseguir estabelecer uma unidade do Direito do Trabalho e o desenvolvimento da política. Consegui desenvolver uma atividade profissional em defesa dos trabalhadores e sindicatos, como também da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT).

 

Ditadura

SR: Devido às suas lutas, o senhor e sua esposa, Zélia Passos, acabaram sendo presos durante a Ditadura Militar. Como foi este período?

EP: Fui preso quatro vezes, torturado e perseguido. Até a escola dos nossos filhos foi fechada, diziam ser uma educação marxista. Considero que nasci de novo, pois boa parte das pessoas foi morta e exilada. Alguns estão desaparecidos até hoje. As dificuldades foram muito grandes, desde 1974 quando deixei a prisão até 1980 quando saiu a anistia. Eu não consegui viver da advocacia. Ninguém me dava trabalho. Minha mulher era pedagoga, e conseguimos sobreviver.

SR: Após a ditadura, como um dos “construtores”, qual a sensação de escrever a Constituição Cidadã de 1988?

EP: O Brasil, com a anistia no final de 1979 e fundação dos partidos políticos, renasceu. Os grandes líderes políticos tiveram a oportunidade de voltar ao país, como Leonel Brizola, e, outros, como Lula, puderam se agregar. A Constituição é uma demarcação da formação brasileira. Divido o país em antes de 1988, 88 e depois de 88. Para mim é o documento histórico mais importante da época atual. É o que definiu as liberdades políticas, individuais, coletivas e do Estado de Direito, desenvolvimento nacional, e onde e como o povo participa. É uma das constituições mais perfeitas do mundo, a única em que os direitos dos trabalhadores são respeitados. Não fui constituinte porque me elegi deputado em 1990, mas participei do processo dentro do Congresso Nacional.

Partido dos Trabalhadores

SR: O senhor contribuiu para a criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Partido dos Trabalhadores (PT), para evitar o crescimento do Movimento Democrático Brasileiro (MDB); inclusive sua casa foi sede do partido no Paraná. Quais as maiores dificuldades?

EP: O MDB é um partido democrático e tinha várias personalidades como Ulisses Guimarães e Roberto Requião, mas o PT era uma agremiação que nunca poderia existir no Brasil, pois o próprio partido comunista que pretendia representar os trabalhadores não conseguia se desenvolver. O PT foi um fenômeno. Foi o resultado de uma época, só existiu porque aquela época existiu. Reuniu os grandes líderes sindicais, lideranças socialistas, Igreja Católica e elementos do radicalismo de esquerda dos grupos revolucionários que atuavam na época da ditadura, bem como pessoas com postura nacionalista. A junção dessas camadas sociais é que permitiu a criação do partido, e a liderança do Lula, sem ele talvez o partido não saísse. No Paraná, precisaríamos constituí-lo em 65 municípios, mas conseguimos em 66.

SR: O PT de hoje tem a mesma ideologia de 30 anos atrás?

EP: A ideologia muda, não é estática, assim como a política e a economia. Hoje temos outro mundo, diferente de 1980. E não éramos o partido do poder e pequeno. Éramos formados de pessoas de todas as índoles, como hoje. Ideologicamente é o mesmo, mas se traduz de forma diferente. Sou diretor de uma empresa binacional, a Dilma Rousseff é presidenta do país, que também foi tão perseguida e torturada. Tanto ela como eu somos instrumentos da democracia, e o partido também. Não podemos comparar o que o PT era em 1980, e como o Lula era, e como somos hoje.

SR: Como deputado federal entre 1990 e 1994, ao lado de Pedro Tonelli e Paulo Bernardo, participando do impeachment de Fernando Collor, buscava-se pôr um fim na corrupção e dar início à inclusão social?

EP: A eleição do Collor foi uma surpresa, e o Lula ser o oponente dele, quando se esperava o Brizola. A revolta da população contra o Collor pelas denúncias e todo o processo de corrupção sensibilizaram de tal modo a sociedade que resultou no impeachment. Foi a primeira vez que um presidente da República foi cassado pelos meios institucionais; até então eram pelas armas, em golpes de estado. Considero que a legislatura de 90 a 94 foi coletiva. Se população e estudantes não tivessem ido às ruas, talvez não tivéssemos a cassação do presidente.

SR: Depois de lutar tanto ao lado de Lula, como foi conquistar a Presidência da República em 2003?

 

EP: Uma das virtudes do Lula é a persistência. Quando decidiu ser candidato à Presidência e perdeu para o Collor, em seguida nos reunimos e ele disse que continuaria sendo candidato. Esta decisão motivou o partido. Chegar à Presidência da República depois de quatro tentativas foi algo que só poderia ter sido. Não havia como não acontecer. Historicamente a sociedade estava preparada e precisava disso. Mais importante do que ter ganhado foi o exercício do poder a qual fomos levados. Nunca tínhamos exercido o poder. Fomos submetidos a um teste e passamos. O Lula se consagrou como o maior presidente que o Brasil já teve. Essa consagração foi decorrente de um trabalho de grande profundidade. Mas não sozinho, pois o PT se coligou com outros 12 partidos, e o presidente Lula tinha como vice um grande empresário. Acredito que a eleição só foi possível graças a esta união com os empresários. Uma das mudanças do PT foi entender que o desenvolvimento nacional depende dos trabalhadores e empresários. Não há como desvincular.

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