Estamos comprando menos carros, porém mais caros

Na semana passada eu conversava com o gerente de uma concessionária em Londrina e ele me revelou um dado interessante sobre o mercado local. O ticket médio na loja dele (representante de uma das quatro maiores marcas do mercado) subiu de R$ 42 mil para R$ 54 mil nos últimos quatro anos, ou seja, de 2013 para 2017.

Trata-se de um aumento de 28,5% no gasto médio dos clientes diante de um mercado que sofreu retração de mais de 39% no mesmo período, saindo de 3,57 milhões de automóveis e comerciais leves emplacados (2013) para 2,17 milhões (2017). Então, pensei: será que este foi o comportamento geral do mercado?

Vamos dar nome aos bois. Em 2013, os três carros mais vendidos do País eram Gol, Uno e Palio, nesta ordem. Juntos, os três modelos respondiam por 17% do mercado. Em 2017, a lista tríplice foi composta por Onix, HB20 e Ka, que conquistaram 17,9% do mercado. Quatro anos atrás o carro mais vendido do País partia de R$ 27.990; no ano passado, o líder custava R$ 44.890, para começar a conversa.

Para efeitos de comparação, pegarei o salário mínimo. Comprar um Gol de entrada em 2013 significa empenhar 41,2 mínimos da época (R$ 678). Em 2017, a compra de Onix de entrada comprometeu 47,9 mínimos de R$ 937 – um aumento considerável. 

Se olharmos o restante da lista, notaremos que o aumento no valor gasto com os principais automóveis continua se comprovando: o preço do Uno partia de R$ 24.260 (35,7 salário mínimos) e o do Palio, R$ 31.290 (46,1 mínimos). Na lista do ano passado, HB20 abocanhava 45,3 mínimos com seus R$ 42,500 de entrada e o Ka, 45,4 salários, com preço de entrada similar, de R$ 42.590.

Comprar um Gol em 2013 significava empenhar 41,2 salários mínimos

Atenção: vale lembrar que estou considerando os preços das versões de entrada, o que nos fornece um ponto de partida, mas não uma conta real, já que o mix dos modelos incluem muitas outras versões, mais caras.

Faturamento

Utilizando os preços de entrada acima citados, decidi calcular quanto os três modelos de entrada renderam, em dinheiro, para o mercado automobilístico nos dois anos em questão.

Vejamos: em 2013 a VW emplacou 255 mil unidades do Gol. Considerando o custo de R$ 27.990 para cada uma delas, apenas o hatch rendeu R$ 7,13 bilhões em vendas para a montadora (não confundir com o lucro obtido com o veículo, trata-se de faturamento bruto). Já com Uno (184 mil emplacamentos) e Palio (171 mil), a Fiat arrecadou R$ 9,85 bilhões, o que nos leva a um rendimento de R$ 16,98 bilhões com os três primeiros colocados do mercado em 2013.

Em 2017, o Onix deixou os companheiros de segmento no chinelo também em faturamento. O hatch da Chevrolet emplacou mais de 188 mil unidades, ao custo base de R$ 44.890 cada, gerando R$ 8,46 bilhões em vendas. O HB20 (105 mil unidades) gerou R$ 4,48 bilhões e o Ka (94 mil emplacamentos), R$ 4,04 bilhões.

Somando o faturamento em vendas dos três veículos mais comercializados no ano passado, portanto, temos R$ 16,99 bilhões, R$ 6,6 milhões a mais que em 2013 (ou 148 Onix).

Onix custava quase 48 salários mínimos em 2017

Cadê o mais barato?

Outro indício de que estamos comprando carros mais caros (não apenas pelo aumento natural dos preços, mas por preferência) está na ausência dos carros mais baratos do País no topo da lista dos mais vendidos.

Enquanto em 2013 o Uno (mais em conta na época) figurou como o segundo mais emplacado, em 2017 o Fiat Mobi foi só o nono da lista. O subcompacto da Fiat partia de R$ 33.700 mil e foi o mais barato até o lançamento do Chery QQ, por R$ 25.990 (que não tem volume de vendas) e do Kwid, por R$ 29.990. O hatch da Renault, agora, começa a galgar posições, alcançando a quinta colocação nos dois primeiros meses deste ano.

Por quê?

Na opinião do gerente citado no início da coluna, isso ocorre porque aqueles brasileiros que ascenderam para a classe C no período de pujança da economia e adquiriram o carro próprio por meio de crédito facilitado não mais estão tendo acesso a esse bem. E eram eles quem compravam os carros mais baratos.

Com isso, as classes A e B voltam a ser as maiores consumidoras de produtos, de maior valor agregado, elevando o valor médio dos veículos vendidos.

Meu interlocutor acredita que o mercado atual seja o real. Que agora compra carro quem realmente tem condições de pagar e manter o veículo. Ele corrobora a teoria de muitos economistas de que o crescimento dos anos passados foi artificial e gerou uma bolha que estourou nós sabemos quando e como.

Por um lado, há de se lamentar que parte da população tenha perdido poder de compra. Também há de se questionar (sempre) o valor dos carros vendidos no País. Se fossem mais baratos, continuariam acessíveis. Na verdade, não existe outro lado, só esse mesmo.

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