Segurança veicular, item opcional no Brasil, por Cecília França

 

O jornalista recorreu ao exemplo do banal retrovisor direito, que até 20 anos atrás era opcional em grande parte dos veículos vendidos no Brasil e só foi incluído como item de série na frota nacional por força de lei. Joel lembrou ainda da trajetória dos airbags duplos e freios ABS, obrigatórios apenas a partir de 2014, também por força de lei.

Resgatei esta conversa hoje após ler, no site do programa Autoesporte, resumão do desempenho dos carros vendidos no Brasil no Programa de Avaliação de Carros Novos para América Latina e o Caribe (LatinNCAP). Apenas três dos nove veículos testados nos crash tests em 2017 receberam cinco estrelas (pontuação máxima) para a segurança de adultos e crianças: Toyota Corolla, VW Polo e Golf, todos com mais airbags do que o exigido pela lei brasileira.

Outros dois zeraram no teste, justamente o primeiro e o terceiro mais vendidos: Chevrolet Onix e Ford Ka. O líder da GM já havia sido testado para impacto frontal em 2014, quando recebeu três estrelas para adultos. O teste foi refeito este ano sob o novo protocolo de avaliação do LatinNCAP, que incluiu a colisão lateral, e foi nela que o Onix decepcionou. O mesmo se deu com o Ka, que havia obtido quatro estrelas em 2015.

Crédito: Reprodução

Os resultados dos dois hatches foram assim descritos: “o teste de impacto lateral evidenciou uma compressão alta no peito do passageiro adulto, divulgando uma alta penetração na estrutura. O Onix não contava com dispositivos de absorção de energia em sua estrutura para impacto lateral, apenas barras nas portas.”; “O Ka apresentou um desempenho pobre no teste de impacto lateral, mostrando níveis altos de lesões no peito do ocupante adulto, penetração profunda do pilar B no habitáculo e abertura da porta.”

Será que esses problemas seriam solucionados (ou amenizados) por airbags laterais ou apenas por mudanças nas estruturas dos veículos?

Reações enérgicas

Executivos do LatinNCAP reagiram enfaticamente ao que se pode chamar de “reprovação” do Onix e do Ka nos testes de colisão. “Esses resultados tão pouco convincentes deveriam servir de lição aos governos da região e estabelecer que os níveis mínimos de segurança não podem estar mais nas mãos dos fabricantes.”, declarou María Fernanda Rodríguez, presidente da entidade.

“Estamos surpresos de que, mais uma vez, um fabricante tão importante como a Ford venda um carro zero estrela na América Latina, que, inclusive, falharia nos testes básicos da norma de proteção contra impactos laterais da ONU.”, acrescentou Alejandro Furas, secretário geral.

Quando da divulgação do resultado do Onix, em maio, a PROTESTE (Associação de Defesa do Consumidor) declarou que pediria ao Ministério Público e à Secretaria Nacional do Consumidor a retirada do modelo do mercado. Não ouvi mais nada sobre o andamento desta ação.

O teste de colisão lateral não é exigido no Brasil, mas está na regulação da ONU (UN95), válida na Europa desde 1995, e integra a Norma Federal de Segurança Veicular dos EUA. Baseados na não exigência, tanto GM quanto Ford responderam ao Autoesporte que seus modelos seguem as exigências do mercado brasileiro.

Mudanças à vista

As montadoras não estão erradas. Se não lhes é exigido segurança lateral, elas não entregarão. Mas isso pode mudar em breve. A Resolução nº 716, publicada pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran) na última semana, determina que sejam estudados e, em caso de viabilidade, regulamentados novos itens de segurança nos veículos. A resolução inclui testes de impacto lateral.

Não acredito que todas as normas sugeridas pelo Contran entrem em vigor. Muitas serão descartadas nos testes de viabilidade sob a justificativa de que encareceriam e/ou inviabilizariam veículos populares, por exemplo – caso do aviso de afastamento de faixa e da frenagem de emergência, creio eu. Porém, qualquer avanço obtido será bem vindo.

Ainda na conversa de 2015, Joel Leite me disse: “O Brasil, como todo país capitalista, vai suprir uma necessidade quando a demanda chegar. Ninguém vai fazer uma coisa preventiva.”. Talvez a pressão dos consumidores a partir dos crash tests, aliada ao levantamento da questão pelo Contran, possa surtir efeito. Talvez tenha chegado a hora de atender a principal demanda em um país onde quase 50 mil pessoas morrem por ano em acidentes de trânsito: a demanda por segurança.

Cecília França é jornalista, com passagens pelos diários Tribuna do Norte e Folha de Londrina, onde iniciou da cobertura do setor automotivo. É colunista e mantém o blog Autos Papos (www.autospaposlondrina.com).

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